A pesquisa brasileira já testou e aprovou dezenas de inimigos naturais para combater as pragas agrícolas. São vespinhas, moscas, ácaros, besouros, fungos e outros bioagentes
capazes de eliminar os organismos causadores de danos às plantas, sem
fazer mal aos demais insetos ou à saúde humana e sem causar contaminação ambiental. Não há dúvida de que esses bioagentes substituem os agroquímicos
com vantagens para o agricultor e para o consumidor. A questão é
colocar todas essas espécies em campo, passando da escala de laboratório
para os milhões de hectares de nossas lavouras.
Os bioagentes precisam ser multiplicados; devem ser testados em
condições reais, em diferentes regiões e condições climáticas; e têm de
ser distribuídos num país de grandes dimensões, chegando ao produtor rural no tempo certo e “em forma” para “fazer o serviço”, isto é, eliminar as pragas agrícolas. Isso tudo é o trabalho das biofábricas, que felizmente já estão no mercado, abrindo caminhos e inovando em bases sustentáveis.
Algumas dessas biofábricas foram incubadas na EsalqTec, a incubadora tecnológica da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), localizada em Piracicaba, SP. É o caso da Bug, hoje instalada em Charqueada, município vizinho a Piracicaba, e da Promip, atualmente estabelecida em Engenheiro Coelho, na Região Metropolitana de Campinas, também no estado de São Paulo.
Cada uma dessas biofábricas produz espécies diferentes de bioagentes e
mantém parceria com grupos acadêmicos de pesquisa para transformar
várias outras espécies em produtos. Não é uma tarefa corriqueira, visto
que os produtos são vivos, portanto não podem ser fabricados em linhas
de montagem, não podem ser estocados e precisam ser transportados até as
áreas infestadas pelas pragas sem perder vigor.
Como os bioagentes se alimentam de pragas ou dependem delas para se
reproduzir, a primeira etapa de uma biofábrica é providenciar
instalações para criar, alimentar e reproduzir as pragas. Aos milhões e
em total isolamento, para evitar “vazamentos”. Estabelecidos os
criadouros de pragas, vem as instalações para criar e reproduzir seus
inimigos naturais, cada um com suas peculiaridades.
A Bug, por exemplo, trabalha com as vespinhas do gênero Trichogramma, minúsculas, menores do que as mosquinhas das frutas. Elas estão na categoria dos parasitoides. Sua tática é usar os ovos das lagartas
(as pragas) para colocar os próprios ovos. Quando nascem as larvas de
vespinhas, elas se alimentam dos nutrientes contidos nos ovos das
lagartas, que nem chegam a eclodir. Para funcionar no controle da praga
instalada no campo, porém, as vespinhas devem chegar às lavouras na fase
adulta, prontas para depositar seus ovos onde quer que haja ovos de lagartas-praga. Logo, todo sistema de embalagem
e remessa precisa levar em conta o tempo de amadurecimento das
vespinhas e as condições ideais de temperatura. Além disso, a dispersão
das minúsculas vespinhas no campo deve ser simples, ao alcance dos
trabalhadores rurais.
“Verificamos que a temperatura baixa, a 10 graus centígrados, retarda
o nascimento da vespa adulta em até 15 dias. Montamos câmaras com
temperaturas baixas em pontos estratégicos, usadas por nossos parceiros
distribuidores. Mas então o próprio produtor também adaptou câmaras
climatizadas ou freezers para segurar as embalagens. Ele enxergou o benefício da tecnologia e se adaptou rapidamente”, diz Diogo Carvalho, um dos sócios da Bug.
A embalagem com as vespinhas é feita de papelão com picotes, para
facilitar o manuseio. Quando vai liberar os insetos no campo, o agricultor
só precisa quebrar o papelão no picote e distribuir os pedaços no
campo, conforme a indicação do consultor técnico que o atende. As
vespinhas já saem voando da embalagem, à procura de ovos das lagartas
para parasitar.
Bem diferente é a estratégia da Promip, ao trabalhar com ácaros-predadores, especializados em sugar os ácaros-praga para se alimentarem. Praticamente invisíveis a olho nu, esses microbioagentes devem ser espalhados sobre as ‘reboleiras’,
que são centros de maior concentração da praga, no meio das plantações.
Eles seguem para o mercado em embalagens cilíndricas, contendo 2 mil
ácaros cada e mais um punhado de vermiculita, um mineral argiloso cuja função é apenas facilitar a distribuição dos bioagentes.
“Em cada ‘reboleira’, o agricultor deve espalhar o conteúdo
de um frasco. Não adianta distribuir por toda a plantação, esses
ácaros-predadores devem ser lançados onde estão os ácaros-praga para o
controle ser mais eficiente”, explica Marcelo Poletti,
da Promip. Segundo ele, a embalagem já tem uma tampa que facilita a
distribuição uniforme, após a retirada do lacre. “Mas ainda seria
preciso trabalhar a apresentação do produto, um design melhor,
mas atraente para o consumidor”. Por enquanto, praticamente todos os
espaços disponíveis na embalagem são preenchidos com informações
obrigatórias da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento).
A criatividade dos novos bioempresários alia-se ao conhecimento técnico para aprimorar os sistemas de multiplicação e distribuição dos bioagentes de controle de pragas. Em alguns setores, como o canavieiro,
os bioagentes já podem substituir 100% dos agroquímicos. Em outros,
como o de produção de grãos, o porcentual fica entre 40% e 50%. Em todos
os casos, bioagentes são alternativas seguras para melhorar a sustentabilidade no campo e ajudam a produzir alimentos mais saudáveis para a cidade. São uma aposta certeira da pesquisa aliada à inovação para derrotar as pragas agrícolas sem riscos de contaminação. E por isso mesmo contam com a torcida dos consumidores!
As vespinhas Trichogramma pretiosum, criadas na Bug, parasitam ovos de qualquer tipo de lagarta, incluindo as do gênero Helicoverpa.
Outra vespinha produzida pela Bug, Trichogramma galloi é muito usada para controlar a broca da cana.
Heraldo Negri, um dos sócios da Bug e autor das fotos e vídeos das vespinhas ao microscópio.
Para produzir os inimigos das pragas, as biofábricas precisam produzir também as próprias pragas como estes percevejos.
Coleta de ovos de pragas, usados na multiplicação dos insetos que as controlam.
Vespinhas são transferidas para ambientes com alimentação especial, para que se reproduzam.
Embalagem especial permite enviar as vespinhas aos agricultores por correio e liberá-las facilmente nas lavouras atacadas por lagartas.
Diogo Carvalho, um dos sócios da Bug: “Testamos nas pragas quais os agentes mais eficientes – predadores ou parasitoides – e em que fase são mais eficientes – ovo, pupa, crisálida ou adulto”.
Estoque de insetos-praga adultos em gaiolas preparadas para a oviposição e posterior coleta de ovos na Promip.
Lagarta do gênero Helicoverpa, que ataca diversas culturas de grãos.
Pupas de lagartas-praga que posteriormente servirão para testes e multiplicação dos agentes de controle biológico.
Estufa com feijão-de-porco (Canavalia ensiformis), planta utilizada nos testes com ácaros-praga e seus predadores, usados pela Promip no controle biológico.
Feijão-de-porco atacado por ácaros-praga em teste do agente biológico de controle, devidamente isolado.
Embalagem contendo 2 mil ácaros-predadores, prontos para serem espalhados sobre as “reboleiras” atacadas pelos ácaros-praga.
Marcelo Poletti, diretor geral da Promip: “Além de produzir o inimigo
natural com eficiência, precisamos contar com o apoio de técnicos e
agrônomos, nossos colaboradores, para difusão dessa tecnologia”.
Fotos abertura, 1 e 2 (vespinhas ao microscópio): Heraldo Negri/Bug
Fotos 4 a 16: Liana John
Fotos 4 a 16: Liana John
Fonte: Planeta Sustentável
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