Ethos e Fórum Clima promovem debate que aponta falhas graves no planejamento do setor
O planejamento defasado, a falta de incentivos eficazes para as
fontes renováveis e a redução do consumo com mais eficiência energética
sinalizam forte tendência ao aumento das emissões de gases de
efeito-estufa pela matriz energética brasileira nos próximos anos. Esse é
o panorama que se desenhou no seminário “Tendências da Matriz
Energética Brasileira: Como Promover uma Economia de Baixo Carbono no
Setor”, realizado em São Paulo dia 29 de abril pelo Fórum Clima
– Ação Empresarial sobre Mudanças Climáticas, com apoio do Instituto
Ethos. Especialistas dos setores público, privado e acadêmicodebateram
as oportunidades e desafios em torno do tema, que tem forte impacto nas
condições necessárias ao desenvolvimento sustentável do País.
O diretor de Políticas Públicas do Instituto Ethos, Caio Magri, abriu
o seminário destacando “o momento propícioem função da campanha
eleitoral” deste ano para estimular esse debate, que “exige maior
protagonismo articulado das empresas para influenciar a gestão de
demandas centrais e garantir a segurança energética para o
desenvolvimento do Brasil, e ao mesmo tempo atender à necessidade de
ampliar a participação das renováveis na matriz”.
Mediada por André Dorf, presidente da CPFL Renováveis, a primeira
sessão de debates teve como tema exatamente a “Diversificação da Matriz
Energética Brasileira e o Uso de Fontes Renováveis”. Ao apresentar um
quadro detalhado do perfil atual de consumo, produção e distribuição de
energia elétrica no País, o diretor da PSR Consultoria, Marco Antonio
Siqueira, mostrou que o atual formato de gestão de oferta e demanda
comporta distorções que podem conduzir a “um stress do sistema”.A razão é
a falta de projetos para fornecimento ao chamado “mercado livre” – no
qual os grandes consumidores negociam o suprimento de energiadiretamente
com as operadoras – já que as geradoras e distribuidoras preferem
investir em usinas aptas a competir nos leilões que asseguram
previsibilidade de receita. “O financiamento de projetos para o mercado
livre exige contratos de longo prazo, de dez anos ou mais, que só as
companhias muito grandes podem assumir” – disse.Cerca de 27% da
eletricidade consumida no Brasil são negociados no mercado livre.
Siqueira ressaltou que o mundo todo se espanta com a abundância de
fontes de energia renovável no Brasil. “São fontes complementares:
hidráulica gera mais no período úmido, enquanto a eólica gera mais no
período seco.” Essas vantagens se diluem, porém, em consequência de
diversos fatores relacionados ao planejamento, expondo o sistema ao
risco de falta de energia para suprimento. Um dos fatores é o atraso no
investimento em linhas de transmissão, outro é a utilização de um modelo
de simulação de cenários hidrológicos que não considera, por exemplo,
as condições atuais dos reservatórios mais antigos – que com o passar
dos anos perdem produtividade em razão do assoreamento. “Agora, com a
iminente necessidade de redução do consumo por causa da falta de chuvas,
os técnicos do Operador Nacional do Sistema divulgaram que será
necessário economizar de 4 a 5% da carga, enquanto as simulações da PSR
indicam 8%. A diferença está no modelo. 8% é uma restrição razoável, mas
pode chegar a 20% se as medidas de racionamento forem adiadas para
2015. É o grande risco daqui pra frente, com forte impacto na economia!”
– alertou o consultor.
Térmica no Brasil é loucura
“Desenvolvimento e produção de energia são variáveis interligadas” –
definiu PhilipeJoubert, presidente executivo da Global
EletricityInitiative e conselheiro do World Business for
SustainableDevelopment. “No Conselho Mundial de Energia se discute um
‘trilema’: energia a preço acessível; energia não é sustentável se não é
segura hoje; fornecimento energético tem quie respeitar o meio
ambiente. Sem atender a esses três fatores, não tem solução viável.”
Joubert disse que “não resistem à análise dos fatos” as conversas sobre
“a energia renovável estar ganhando a batalha” porque “só com as usinas a
carvão e gás em construção vamos ultrapassar a emissão de 1 trilhão de
toneladas de C02, que é o máximo suportável pelo planeta”.
Quanto à atual situação aqui, Joubert relatou que “não se entende o
BR usar térmicas, aumentar emissões, é uma loucura com toda essa riqueza
de renováveis”. Ele vê um “grave erro de planificação com os problemas
de transmissão, uma operação errada que eleva o preço e tem
consequências desastrosas”. Comentou ainda que é necessário planejar a
transição para uma matriz mais limpa a fim de evitar impactos
desfavoráveis, acrescentando que “não tem como solucionar a questão
climática se não atacarmos o problema das cidades, da eficiência da
distribuição energética”. Uma das questões mais críticas, na visão dele,
está relacionada ao preço que se paga pela emissão de carbono evitada:
“Não vai mudar o comportamento das empresas se o sinal preço não está
correto. Hoje o sinal preço do C02é uma brincadeira. Está 2
dólares na Europa, grátis no resto do mundo. Isso não incentiva ninguém a
mudar. Então é um sonho pensar que vamos mudar a matriz energética para
mais limpa sem ter um preço de C02 que seja pelo menos 50 dólares a tonelada, ou talvez mais.”
Para contextualizar o uso intensivo das térmicas mencionado por
Joubert, Siqueira explicou que “as concentrações de eólica no Nordeste e
hidráulica no Norte não suprem a demanda do Sudeste [62% do total]nas
épocas de pico, daí temos de apelar para térmicas”. Essa distorção deve
se aprofundar no futuro próximo: “Belo Monte vai gerar 100 unidades de
energia de janeiro a março, e apenas5 unidades no período seco do
sistema Sudeste, no segundo semestre, exatamente quando há demanda
máxima. Um planejamento correto diminuiria muito a quantidade de térmica
que precisamos colocar. Falta uma discussão mais ampla com a
participação da sociedade”.
A abundância de elementos para produzir energia renovável permite
diversificar e descentralizar a matriz, na opinião do diretor de
Políticas Públicas do Greenpeace, Sérgio Sá Leitão. “A descentralização
está na raiz de uma questão fundamental: é preciso quebrar os monopólios
que dominam a gestão do sistema elétrico no Brasil” – apontou. “Não é
índio, não é ambientalista que trava a expansão do sistema elétrico, não
é hidrelétrica com grande reservatório. Quem atrasou as usinas do
Madeira foi a briga das duas maiores construtoras do País que não se
entenderam sobre a divisão do butim! E o governo não teve força pra
regular isso em nenhum momento. Como não tem até hoje. A briga dos
consórcios não acabou.”
Sá Leitão fez coro, também, às críticas ao “planejamento do setor,
que continua nos anos 50, fazendo o casamento da curva de demanda
econômica com a curva de expansão do sistema, quando o mundo procura
operar no sentido contrário, procurando produzir mais unidades do PIB
com menor consumo de energia”.
Eficiência Energética
“Implementação da eficiência energética e o papel do setor privado”
foi o tema abordado na segunda sessão de debates, com mediação de
Adriano Nunes, diretor de Inovação e Sustentabilidade da Intercement,
empresa do grupo Carmargo Correa. Ao traçar um panorama sobre a questão
na legislação e dos programas do governo brasileiro, Álvaro Furtado
Leite, diretor da Cenergel – Consultoria em Sistemas Energéticos,
salientou a falta de um instrumento de governança para o tema no sistema
brasileiro, “como há no setor elétrico o Operador Nacional do Sistema,
órgão privado sem fins lucrativos, modelo que poderia ser seguido para a
implementação do Plano Nacional de Eficiência Energética”, que existe
desde 2010. Na opinião dele, “incentivo fiscal é o ponto onde o Brasil
mais falha: um raio X na tarifa mostra dezenas de tributos. 22% ficam
para a concessionária;o resto é imposto. Quem está pagando?? Somos nós.
Gordura pra dar incentivo à eficiência energética pela tarifa com
certeza existe. A forma de tarifação não incentiva a indústria do setor
elétrico a realizar esse investimento”.
O coordenador de Usos Finais de Energia da AES Eletropaulo, Fernando
Bacelar, concordou que “o governo tem de abrir mão de alguns impostos,
para incentivar de fato a eficiência energética e a entrada das fontes
alternativas no sistema de forma mais consistente”.
(Envolverde)
Fonte: Site Envolverde por Sávio de Tarso.
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