Como será o Brasil se puder consumir a energia elétrica no mesmo local em que a produzir? Que economias fará? Que benefícios levará para a agricultura familiar, incluída a geração de renda? Que desperdícios eliminará?
Foram esses alguns dos temas discutidos há poucos dias num seminário em Itaipu, do qual participaram até mesmo representantes de vários países latino-americanos e de instituições como a ONU – por meio também da Food and Agriculture Organization (FAO) -, a Agência Internacional de Energia, o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, além de órgãos de governo brasileiros. Ao final, vários grupos de trabalho sugeriram caminhos para ampliar esse modelo de microgeração e consumo localizados, a partir de biogás produzido com dejetos de animais, que já está sendo implantado com êxito em algumas dezenas de propriedades rurais do Paraná e até do Uruguai. O modelo também já está em discussão com países africanos.
Trata-se, na verdade, de um “ovo de Colombo”, como já foi qualificado neste mesmo espaço alguns meses atrás. O projeto permite que o pequeno proprietário rural acumule os dejetos animais (contribuindo com solução também para o lixo rural), com eles gere biogás (dando solução para o gás metano) e, por meio desse biogás, produza a energia elétrica que consumirá ali mesmo. Deixa de pagar conta de energia e, se houver excedente, ainda poderá vendê-lo às distribuidoras, aumentando a sua renda. Dispensa a construção das caras e desperdiçadoras linhas de transmissão. Beneficia a agricultura familiar – no Brasil, 37% dos empregos, 33% do produto interno bruto (PIB) nacional, 42% das exportações – e permite ainda evitar desperdícios (no mundo todo, mais de 1 bilhão de toneladas anuais de alimentos).
“É um projeto que mudará a economia no mundo”, disse, enfaticamente, Minoru Takada, representante do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon – que, por sua vez, já dissera em outro evento que “energia é a mina de ouro, sem ela nada mudará”. Hoje ainda há no mundo mais de 1 bilhão de pessoas que não dispõem de energia (600 milhões somente na Índia), grande parte delas cozinhando com energia gerada pelo carvão (altamente poluidor).
Não bastasse, essa microgeração com consumo no local poderá contribuir decisivamente para que o Brasil venha a dobrar a sua produção de energia até 2050. E o faça com energias renováveis, como é desejável. Da mesma forma, contribuirá para reduzir as nossas emissões de poluentes que contribuem para mudanças climáticas – já somos o quinto país que mais as produz.
Não será fácil, entretanto, a caminhada, como mostraram no seminário as exposições dos vários representantes latino-americanos e caribenhos. Como será, por exemplo, o quadro institucional em que isso poderá ocorrer? Com que leis e órgãos ou instituições? Com que conhecimentos e suas tecnologias, que precisarão ser difundidas? Quais serão as parcerias, inclusive entre países? E as políticas de crédito? Como será a geração de biomassas para produzir o biogás? De que fontes, além de dejetos? Qual a escala de produção?
Não se trata apenas de instalar biodigestores – o processo é mais amplo, embora dispense megaprojetos.
Os avanços na chamada área ambiental também poderão ser consideráveis, com os estímulos ao uso de dejetos, com a criação de mercado para biofertilizantes, com programas adequados para recursos hídricos, com a capacitação de agricultores familiares. Além disso, será possível criar um marco legal para a geração de biogás e energia, com políticas de crédito diferenciadas. A cooperação internacional com a África e a Ásia (principalmente a Índia) pode levar as questões para um modelo de colaboração mútua, e não apenas de competição.
Muitas possibilidades, portanto. E as discussões ocorreram no momento em que se anunciava para o Brasil o primeiro leilão de projetos de geração de energia solar, que já se aproxima do nível de competição em custos com outros formatos, tal como aconteceu com a energia eólica (pena que nesta última ainda faltem linhas de transmissão para projetos instalados, principalmente no Nordeste – tarefa que cabia não a produtores, mas a órgãos federais; e essa geração permitiria ainda economizar água hoje utilizada por hidrelétricas ou a cara energia derivada do carvão).
Também ali, no seminário, se mencionou que o Brasil passará a produzir, em outro projeto de Itaipu, associado a uma empresa de tecnologia, placas para geração de energia fotovoltaica. Hoje exportamos o minério e importamos as placas, que custam cerca de seis vezes mais.
Relatório da Agência Internacional de Energia lembra que não estamos no caminho adequado para cumprir, no mundo, a meta de limitar o aumento da temperatura planetária a 2 graus Celsius. As emissões de poluentes já nos levaram a superar – pela primeira vez em milhares de anos – a concentração desses poluentes na atmosfera a 400 partes por milhão. Podemos, por isso, esperar mais “eventos extremos”, maior elevação do nível dos oceanos, temperaturas mais altas, entre 3,6 e 5,3 graus Celsius.
Mas o objetivo de promover mudanças radicais “é factível”, dizem esse e outros relatórios internacionais. Para isso, contudo, é preciso agir com vigor antes de 2020, principalmente na área de energia, em que estão dois terços das emissões de poluentes. E, nessa área, vêm de “fontes fósseis” (carvão mineral, gás natural, petróleo) 80% do consumo, que ainda é subsidiado em mais de US$ 800 bilhões anuais.
Até 2020 será preciso investir US$ 1,5 trilhão. E, depois, mais US$ 5 trilhões.
No Brasil, o potencial da energia solar, se captada em 5% da área urbanizada (ou 0,01% da área total do País), seria de atender a 10% da demanda; na eólica, o potencial inexplorado é de 300 gigawatts, quase três vezes mais que a geração total de hoje. E projetos como o da geração e consumo local poderão ter um papel decisivo nesse quadro das renováveis.
* Washington Novaes é jornalista.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.
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