À primeira vista, pode parecer uma mata crescendo sem interferência humana, tal a quantidade de árvores. Mas, caminhando pela área, o visitante identifica a grande variedade de alimentos brotando de arbustos e das próprias árvores. Limão, açaí, manga, acerola, caju, banana, laranja e muito mais. Nada está ali por acaso. As espécies que geram esses frutos foram cuidadosamente plantadas neste terreno em Silva Jardim, no interior do estado. Trata-se de uma agrofloresta.
— Quando me falaram, achei que era coisa de maluco. ‘Plantar sem desmatar a floresta? Vai semear como? Vai ter que fazer casa em árvore e morar que nem índio’ — conta a agricultora Marlene Assunção, de 52 anos, dona da propriedade. — Hoje eu entendo. As coisas vão estar aqui para nossos netos. É menos egoísta.
As agroflorestas, também chamadas de sistemas agroflorestais (SAF), vêm ganhando relevância no país como uma alternativa que alia a produção de alimentos, necessária num mundo de população crescente (seremos 8,5 bilhões de Homo sapiens em 2030, segundo estimativas da ONU), com a preservação de florestas, não menos importante num planeta que precisa manter seus recursos naturais e, assim, frear as mudanças climáticas. O conceito preconiza que a agricultura pode se beneficiar, e muito, de áreas intensamente arborizadas.
A prática agroflorestal já existe há décadas, mas agora começa a receber a devida atenção, disseminando-se pelo país. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), órgão ligado ao Ministério da Agricultura, está dando início a um projeto para identificar, mapear e estimular agroflorestas nas regiões Sul e Sudeste. No Estado do Rio, há exemplos de SAFs concentrados, principalmente, em Paraty, no Maciço da Pedra Branca (Zona Oeste do Rio) e na região de Casimiro de Abreu, onde uma oficina do Projeto Agenda Gotsch está capacitando 60 agricultores para adotar essas práticas em suas terras.
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Marlene Assunção corta palmito em sua fazenda em Silva Jardim, interior do Estado do Rio. Foto: Agência O Globo |
Agricultura sintrópica
A oficina é ministrada pelo pesquisador suíço Ernst Götsch, um dos pioneiros desse método de cultivo no país. O agricultor veio para o Brasil na década de 1980, estabelecendo-se numa fazenda no Sul da Bahia. Desde então, desenvolve técnicas de recuperação de solo com métodos de plantio que mimetizam a regeneração natural de florestas.
— Queremos trabalhar para criar agroecossistemas, que promovem essa integração. Em vez de estabelecer áreas de proteção permanente, constituir sistemas de integração permanente, que permitam ao agricultor produzir melhorando o solo e criando um ecossistema mais próspero — afirma Götsch, que está gravando uma série de vídeos para divulgar suas técnicas na internet.
O europeu usa a expressão “agricultura sintrópica” para definir o conceito que busca divulgar. Trata-se do uso de dinâmicas naturais para enriquecer ou recuperar o solo, que se torna apto para a produção agrícola sem a necessidade de fertilizantes químicos, apenas usando os recursos naturais. E sem devastação da mata.
Mas, para aproveitar ao máximo o que a natureza oferece para o cultivo, o manejo da floresta é fundamental. Quem explica é o técnico ambiental Nelson Barbosa, coordenador do Programa de Extensão Ambiental da Associação Mico-Leão-Dourado, em Silva Jardim. Segundo ele, a cada cinco anos, é preciso podar árvores, até mesmo derrubar algumas delas, e deixar os resíduos no solo. São estes resíduos (galhos e folhagens, por exemplo) que espalham na superfície os nutrientes absorvidos, anteriormente, pelas raízes das árvores nas camadas profundas da terra.
— É importante ter áreas de luz direta e sombras na plantação. É aí que ajudamos, levando equipamentos adequados para o manejo e mostrando onde fazer — explica Barbosa.
Cortar árvores da tão degradada Mata Atlântica pode parecer negativo, mas órgãos e ONGs ambientais dão força à prática feita de forma consciente. O Ministério do Meio Ambiente apoia agroflorestas em diferentes regiões. Em setembro de 2015, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) publicou uma resolução que regulamenta o manejo sustentável da floresta, para apoiar os SAFs em território fluminense.
— A agrofloresta é uma alternativa de proteção ambiental, mas também uma reserva de segurança alimentar — diz o pesquisador Eduardo Campello, da Embrapa Agrobiologia, que trabalha no mapeamento das SAFs. — Já temos um questionário pronto e espero ter resultados desse projeto em breve.
Fonte: O Globo
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