Desde meados de 2013, uma das tarefas mais espinhosas da
diretora-presidente do Instituto Estadual de Florestas do Amapá, (IEF),
Ana Margarida Castro Euler, tem sido defender, em tantos fóruns e
instâncias quanto possível, a Floresta Estadual (Flota) do Amapá. Isso
porque, ano passado, ganhou força na Assembleia Legislativa daquele
Estado um projeto de lei que visa revogar o decreto de criação desta
área protegida.
A proposta só não foi para a frente porque o Ministério Público
interveio e impediu que a área, de 2,3 milhões de hectares, não ficasse
desprotegida e ganhasse o status de “terra devoluta”. Ainda assim, os
deputados estaduais mantêm seu objetivo e as articulações com os setores
interessados no fim da Floresta Estadual.
Ana Euler, como é conhecida, é engenheira florestal, tem mestrado e doutorado em Ciências Ambientais e Florestais. Ela já trabalhou na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e no WWF-Brasil. De Macapá, ela nos concedeu a seguinte entrevista:
Ana, como você vê essa mobilização que busca a revogação da Floresta Estadual do Amapá?
Ana Euler - Quero fazer um debate técnico sobre este assunto, mas o que vejo é um debate político, eleitoreiro. Temos uma eleição aí na frente e não querem deixar o governo avançar nas ações de implementação da Floresta Estadual. A raiz do problema é o processo que se arrasta há mais de 20 anos e que diz respeito à transferência de terras públicas do Governo Federal para o Estado do Amapá. Extinguir a Flota, no entanto, não vai resolver o problema fundiário no estado. Quando a gente concluir este processo da transferência de terras, aí o estado vai dominar, de fato e de direito, seu território. Percebo um debate de eleições, de jogar lenha na fogueira, mas do que de enfrentar os problemas que a sociedade de fato tem aqui, como essa questão da falta de apoio à agricultura familiar.
Revogar a Flota é uma ameaça, inclusive, à ordem pública no Estado. Sabe o que isso pode trazer como consequência? Uma corrida pelo ouro, pela madeira, pelos minérios e demais recursos da floresta. Então seria um caos e, ao invés de resolver um problema, isso faria com que toda essa discussão sobre território no Amapá voltasse à estaca zero. Além disso, esta gestão (do governador Camilo Capiberibe - PSB) já investiu cerca de R$ 5 milhões na implementação desta Unidade de Conservação. Se revogarmos a Flota, como ficará este investimento?
Os parlamentares interessados afirmam que a revogação da Flota é uma maneira de auxiliar a agricultura familiar e a população rural do Amapá.
AE - Sim, mas existem aí alguns fatos que dão a entender outra coisa. Porque demorou oito anos para que as pessoas considerassem a Flota uma ameaça à agricultura familiar (a Unidade de Conservação foi criada em 2006)? A mesma Assembleia Legislativa que hoje pede a revogação da Floresta Estadual aprovou a criação da Unidade sem o menor problema.
O que percebo também é que, enquanto não se implementava a Flota, não existia essa ‘ofensa’, não ocorria esse movimento de acabar com a Unidade de Conservação. O governo anterior não fez nada, fingia que a Floresta Estadual do Amapá não existia. A partir do momento em que começamos a implementar as ações, na hora em que a coisa começou a andar, aí ela se tornou uma ameaça. São essas as questões que temos levantado em todas as conversas, discussões e entrevistas que temos participado.
Então existiriam outras formas de potencializar a agricultura familiar e ajudar as famílias produtoras do Estado.
AE - Sim. Temos que trazer outro olhar. Temos que falar de agricultura de forma séria. Por exemplo: o nível de implementação de políticas públicas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) aqui no Amapá é baixo, muito baixo. Veja: os assentamentos do Incra detêm 35% das terras do Amapá. A Floresta Estadual ocupa apenas 13% do território do Estado. Então, se temos que falar de gestão de áreas, de liberar áreas para a agricultura familiar, porque estamos pintando um alvo na Floresta Estadual? Temos hoje mais de 40 assentamentos rurais no Estado. Eles não têm 50% de ocupação. Então você vê que não existe demanda por terra aqui no Amapá. A “falta de terras” não pode ser colocada como um problema.
Já se falou em 20 mil famílias na área da Floresta Estadual, mas
isso não é verdade. De acordo com o diagnóstico que fizemos por conta do
plano de manejo da Unidade, encontramos entre 350 e 400 famílias. Com
elas, estamos trabalhando assim: quem quiser sair da área, será
encaminhado para um desses assentamentos e quem quiser ficar terá
condições de extrair os recursos dali.
O que precisamos mesmo é de políticas públicas coordenadas entre a União, o Estado e os municípios. Precisamos dar qualidade de vida aos ribeirinhos, aos extrativistas e às populações tradicionais. Outro exemplo: o Amapá é o estado que menos avançou no programa “Luz para Todos”. Este programa não chegou nos nossos assentamentos. O Linhão de Tucuruí (projeto que visa trazer interligar a região Norte à rede de distribuição de energia do resto do País) passou por várias comunidades e, por conta das obras e das intervenções na infraestrutura, elas perderam sinal de celular. Ou seja, uma iniciativa que deveria ajudar a vida dessas pessoas só trouxe os impactos, não trouxe as compensações. E querem colocar a Flota no centro deste problema, o que é ridículo. Como vamos, com estas condições, propor para as pessoas que moram no campo uma melhoria de qualidade de vida?
Que atividades o Instituto Estadual de Florestas do Amapá tem realizado na Flota?
AE - A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) conduziu, conosco, um estudo de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) e existe um fundo de investimento inglês que quer negociar créditos de serviços ambientais.
Temos universidades, o Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), está realizando pesquisas na área da Flota. Em dezembro de 2013, lançamos o pré-edital de concessão de exploração florestal e vamos lançar o edital no mês de abril. Fizemos uma serie de reuniões técnicas em fevereiro, temos marcada uma audiência pública nas próximas semanas. E isso tudo é público, é aberto. Somos transparentes, todas as nossas informações estão em nosso site, trabalhamos e dialogamos com uma série de instituições, como o Conselho Nacional de Agricultores Familiares o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA). Enquanto isso, veja só, há juízes tentando frear as ações do estado, tentando nos atrapalhar em fazer uso da floresta, alegando que a Floresta Estadual é ‘improdutiva’.
O plano de manejo da Floresta Estadual ficou pronto no início de 2014, não?
AE - Sim, e estamos fazendo coisas incríveis. Estamos
finalizando um plano de manejo em tempo recorde. Fizemos o documento em
dois anos e meio, com recursos próprios, sem ajuda de organizações
internacionais, com cerca de 50 técnicos nossos. Investimos menos de R$ 1
milhão neste processo o que, para os padrões de Unidades de Conservação
da Amazônia, é um valor pequeno, é pouco em comparação a outras áreas
protegidas. Ou seja, estamos mostrando serviço e eficiência, estamos
mostrando que queremos fazer as coisas.
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