Eventos com motes ecológicos aparecem aos borbotões na primeira
semana de junho. Nesta época, muitas empresas e governos procuram
retocar a maquiagem verde. Desde 1972, o 5 de junho está consignado Dia
Mundial do Meio Ambiente pela Assembleia Geral das Nações Unidas, data
de início da Conferência da ONU sobre Ambiente Humano realizada em
Estocolmo naquele ano. De lá pra cá, dizem os ambientalistas autênticos,
pouco, quase nada, há para comemorar.
Quais problemas ambientais mais se agravaram nos últimos anos? E por
quê? Para tentar responder a essas perguntas, consideradas indigestas
por muitos, principalmente nestes primeiros dias esverdeados de junho, o
Extra Classe consultou duas entidades ecológicas de atuação nacional, o
WWF-Brasil e o Instituto Socioambiental (ISA), e também o ambientalista
Carlos Alberto Dayrell e o atual presidente da Fundação Estadual de
Proteção Ambiental (Fepam), o engenheiro químico Nilvo Silva.
As questões ambientais estão descoladas das políticas de
desenvolvimento. Este é o grande problema apontado pelos quatro
especialistas consultados. “Se perdeu a noção no Brasil de que gestão
ambiental é também para preservar os recursos que alimentam a própria
economia”, lamenta, sem papas na língua, Nilvo Silva, trazido às pressas
da Dinamarca no ano passado, pelo governador Tarso Genro, para colocar
nos eixos a Fepam, um dos alvos da rumorosa Operação Concutare.
Para Adriana Ramos, secretária executiva adjunta do Instituto
Socioambiental (ISA), o Brasil passa por um retrocesso ambiental.
Segundo ela, no último governo de FHC e no primeiro mandato de Lula
houve avanços, o país pensava e estruturava uma política na época.
“Tinha proposta, a questão ambiental era tratada de maneira mais
transversal, vista como oportunidade. Hoje, meio ambiente é considerado
um empecilho. Ao invés de política, há gestão de conflitos apenas”,
constata.
A ambientalista concorda com Nilvo a respeito da distância que há
entre meio ambiente e desenvolvimento. Adriana recorda que a Rio+20,
realizada em 2012 no Brasil, deixou bem claro que a prioridade dos
governos é a crise econômica. E que a questão ambiental é um luxo que
pode esperar. “Então, as empresas voltam para o seu umbigo, e o seu
umbigo é o lucro. Temos um setor privado com baixo compromisso ambiental
no Brasil”, reconhece a secretária do ISA.
Avaliação semelhante faz o jornalista gaúcho Aldem Bourscheit,
especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil. Em sua opinião, o
Brasil segue licenciando, construindo e destruindo sem realmente levar
em conta sua enorme riqueza natural e humana. “Em jogo está não apenas a
perpetuação desse patrimônio, mas também a da nossa própria economia e
qualidade de vida, altamente dependentes de recursos naturais em
quantidade e qualidade”, ressalta.
Mudança do clima, biodiversidade e água
Na opinião de Nilvo Silva, que já ocupou um alto cargo no Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e
também no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) em
Nairóbi, no Quênia, os três principais problemas ambientais que mais se
agravaram nos últimos anos foram a mudança do clima, a perda da
biodiversidade, principalmente devido ao avanço do agronegócio, e a
falta de gestão da água, todos os três relacionados entre si.
Pela falta de uma política consistente, Nilvo Silva considera as
mudanças climáticas o problema que mais se agravou no Brasil nos últimos
anos. Para ele, a poluição industrial é algo preocupante também, no
entanto, considera que há instrumentos para enfrentá-la. “A poluição do
ar tem problema, mas tem política também”, constata o presidente da
Fepam, que se debate, desde que chegou da Europa, com o descalabro que
foi o sucateamento da Rede de Monitoramento do Ar do estado.
Mais preocupante é a desconexão entre a mudança do clima, a
biodiversidade e a água. Os três temas tocam direto no modelo de
desenvolvimento, na necessidade de uma economia de baixo carbono, mas
são tratados ainda de forma isolada sem uma política pública abrangente.
“Conciliar o desenvolvimento da agricultura, por exemplo, que precisa
da água, com a proteção da biodiversidade é um enorme desafio no
Brasil.Além da questão do agrotóxico, há conversão irreversível de
vegetação nativa”, analisa o engenheiro.
Existem vários programas fragmentados na área da biodiversidade, mas
não uma política pública brasileira na escala que precisa, ressalta o
presidente da Fepam. Para a mudança do clima, existem programas e uma
lei nacional, mas a implementação é insuficiente. “Em nome de uma
economia de baixo carbono não se pode acabar com a biodiversidade
brasileira para termos biocombustíveis. Sem falar nos conflitos com a
geração de alimentos”, avalia Nilvo.
O problema da água é a falta de gestão. E falta de conexão com o tema
da biodiversidade, pois para ter água precisa ter floresta e vegetação
nativa. “Rios e banhados são infraestrutura natural”, repara Nilvo. A
lei que estabeleceu a cobrança pelo uso da água e a criação de agências
de bacia hidrográfica é da última década do século passado e até hoje
não saiu do papel. “São Paulo está pagando um preço caríssimo agora por
não fazer gestão”, exemplifica.
Dos grandes temas ambientais, a água hoje é o principal problema,
concorda a ambientalista Adriana Ramos, do ISA, entidade de atuação
destacada na região amazônica. “É o grande tema porque se relaciona com
saneamento, mudança do clima, energia e há uma flagrante falta de
preparo para enfrentar a crise”, constata a especialista, também citando
a escassez de água enfrentada em São Paulo por falta de gestão
ambiental.
Lentidão e retrocessos ambientais
Como desenvolvimento e meio ambiente ainda têm muitas dificuldades de
relacionamento no Brasil, há uma enorme lentidão para implantar
legislações de suma importância para o país, avalia o jornalista Aldem
Bourscheit, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil. Como
exemplo, ele cita a Política Nacional de Resíduos Sólidos – sobre esse
tema, ver reportagem do Extra Classe. “O prazo para seu cumprimento se
encerra no início de agosto, mas ainda existem por volta de 2 mil
lixões”, aponta.
Lentidão em tramitação ou aprovação também se nota, segundo ele, no
Estatuto dos Povos Indígenas, parado na Câmara dos Deputados desde 1994,
ou no da Proposta de Emenda Constitucional que reconhecerá o Cerrado e a
Caatinga como patrimônios nacionais, como já são a Floresta Amazônica, a
Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Matogrossense e a Zona
Costeira. O projeto aguarda aprovação no Legislativo federal desde 1995,
ressalta
Um dos maiores retrocessos legislativos dos últimos anos, na
avaliação do especialista do WWF-Brasil, foi a votação do novo Código
Florestal Brasileiro que reduziu a função socioambiental das
propriedades privadas e anistiou quem cometeu ilegalidades ambientais.
Há instrumentos positivos, avalia ele, como o Cadastro Ambiental Rural
(CAR) e as regras para restauração florestal. Todavia, urge a
regulamentação de instrumentos econômicos e fiscais para incentivar sua
aplicação.
Estudo recente publicado na revista Conservation Biology revelou que
nas últimas três décadas o Brasil perdeu 5,2 milhões de hectares antes
conservados em parques nacionais, estações ecológicas, reservas
extrativistas e demais categorias de Unidades de Conservação. Esse
movimento de perda se intensificou, explica Bourscheit, a partir da
publicação de novas regras para a área energética nacional, em 2008.
Proposições legislativas ainda tentam reduzir ou extinguir mais áreas
protegidas.
“Estamos navegando na marginalidade”
O avanço do agronegócio é o problema ambiental que mais tem se
agravado no Brasil nas últimas décadas, na avaliação de Carlos Alberto
Dayrell, engenheiro agrônomo e pesquisador do Centro de Agricultura
Alternativa do Norte de Minas Gerais. Ele ficou conhecido em todo o país
quando, no dia 25 de fevereiro de 1975, subiu em uma árvore para
impedir o seu corte na avenida João Pessoa, em Porto Alegre, e a foto
deste primeiro ato ecopolítico virou símbolo do movimento ecológico
brasileiro.
Dayrell recebeu a reportagem do Extra Classe após ser homenageado, em
maio, pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).
Para ele, a agricultura baseada na mecanização, adubos químicos,
agrotóxicos e sementes transgênicas tem causado grande impacto
ambiental, pois ela simplifica os sistemas produtivos, aumentando
artificialmente a produção e a produtividade. “Transnacionais dominam
todas as etapas de produção de alimentos”, protesta o ambientalista
mineiro.
No Brasil, acrescenta Dayrell, existe um movimento que vem com muita
dificuldade construindo novas perspectivas não só de produção, mas de
relação da sociedade com a própria natureza através da agroecologia, com
outras possibilidades para atender a demanda da população por alimentos
sadios. “Porém, é um processo totalmente marginal em relação à política
nacional de apoio ao agronegócio. Estamos navegando na marginalidade, e
não na centralidade”, lamenta o ambientalista.
* Publicado originalmente no site Extra Classe.org.br.
(Extra Classe.org.br)
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