Henrique Lian
Instituto Ethos
Zion PhotoGráfico/Creative Commons/Flickr
Se pudéssemos resumir a obra fundadora da moderna ciência econômica, A Riqueza das Nações (1776), do professor escocês de filosofia moral, Adam Smith, diríamos tratar-se de uma grande análise sobre os diferenciais competitivos entre as nações e uma apologia para que cada nação se concentre na produção de produtos para os quais possua nítidos diferenciais competitivos, importando todos os demais produtos. Esse foi o pontapé inicial da economia clássica, uma reflexão sobre o comércio internacional e sobre como qualquer nação pode atingir o crescimento, concentrando-se naquilo que é capaz de produzir melhor e mais barato, os dois consagrados direcionadores da vantagem competitiva.
Trazendo a discussão para um momento histórico mais próximo de nós, lembremos que a obra fundadora do pensamento e da reputação de Michael Porter, guru da gestão empresarial, é o livro The Competitive Advantadge of Nations, traduzido em doze idiomas. O trabalho do professor Porter, sobre como as nações criam prosperidade e a sustentam, traz como diferencial teórico a análise das causas da competividade a partir dos fatores de produtividade em um ambiente de competição empresarial, introduzindo, também, o conceito de clusters, ou seja, grupo de empresas/indústrias afins e complementares, interconectadas em determinados locais. Entre um marco teórico e outro, milhares de textos foram escritos sobre esse tema, dos papers de David Ricardo aos estudos de autores da chamada Escola Austríaca, como o de Israel Kirzner (Competição e Atividade Empresarial).
Imaginando, por mero exercício, talvez mais moral que intelectual, como aplicar um pouco dessa construção teórica ao caso do Brasil, observo que desde o século 16 não apresentamos tantas vantagens comparativas1 na ordem econômica global. Explico-me: naquele século, não casualmente o do nosso "descobrimento", possuíamos um conjunto de ativos que era o sonho do mundo desenvolvido de então. Estes eram metais preciosos, como ouro e prata, madeira e solo agriculturável para a produção de especiarias, como, por exemplo, a cana de açúcar que levava ao cobiçado açúcar, de qualidade muito superior (em sabor e potencial energético e adoçante) ao produto europeu à base de beterraba. Um conhecido conjunto de fatores - que inclui a natureza do próprio pacto colonial, a entrada muito atrasada no processo de industrialização, um processo de independência top down e a perpetuação do processo de dependência econômica que não é novidade para os países do nosso hemisfério - impediu a transformação desse conjunto de vantagens comparativas em vantagens competitivas. Ou seja, nosso potencial de apropriação de diferenciais não se traduziu em agregação de valor e crescimento da economia local.
Por graça, ou ironia, do destino, este início de século 21 nos presenteia, uma vez mais, com as características e os ativos desejados pelo mundo. Estes, porém, são agora de outra natureza e dizem respeito, principalmente, aos insumos necessários para a geração de energia renovável, ou seja: potencial hídrico de água doce, ventos, insolação, extenso litoral para aproveitamento da energia das marés, biomassa e sociobiodiversidade, tecnologia própria (e pioneira) para a produção de biocombustíveis e bioenergia etc.
Apresentam-se, também, fatores geopolíticos favoráveis, bastante independentes de nossa vontade ou alcance, como, por exemplo, a mudança no centro de gravidade da economia mundial, em função dos custos de produção e da localização dos insumos, e o redirecionamento dos fluxos de capital em função da crise dos mercados desenvolvidos.
As questões-chave, entretanto, são, por que e como transformar esse conjunto de vantagens comparativas, por vezes apelidadas de "credenciais verdes", em vantagens competitivas? A resposta à primeira pergunta é quase meramente retórica, em função das refinadas análises que a história econômica do Brasil tem merecido. Para citar alguns elementos contundentes, destaco:
1 - A oportunidade de romper com um padrão de comércio exterior do Brasil, de base agroextrativista com baixo valor agregado, sujeito às oscilações das commodities e sempre a serviço das necessidades de crescimento e desenvolvimento alheias;
2 - A possibilidade de se tornar um dos líderes de um novo ciclo econômico global que, embora retardado pelos percalços da crise econômico-financeira iniciada em 2008, será inapelavelmente desenvolvido, em função das atuais condições globais, considerando-se a demográfico global e a mudança inevitável dos processos de produção em função dos impactos (inclusive econômicos) das mudanças climáticas;
3 - A inversão da nossa pirâmide de emissões de gases de feito estufa que, com a redução do desmatamento na região amazônica, posiciona energia, processos industriais e agricultura como os processos mais emissores da nossa economia, amplamente sujeitos a esforços de redução de emissões a partir da renovação dos compromissos e metas a serem pactuados a partir da COP20, a ser realizada em Paris (2015).
Enfim, algumas respostas à pergunta que mais interessa tanto aos práticos quanto aos céticos de plantão: como transformar essas vantagens comparativas em vantagens competitivas?
Uma das poucas vantagens de se chegar atrasado ao processo de desenvolvimento é, justamente, não repetir os erros dos que foram pioneiros. Assim, tudo começa com a vontade política de fazer diferente e adotar um novo caminho. O momento seguinte é a promoção do diálogo social sobre qual modelo de desenvolvimento queremos e podemos implementar, com uma série de pactos e arranjos que permitam:
1 - Recuperar a capacidade de gestão pública e formular políticas e marcos regulatórios de estímulo às atividades sustentáveis, revogando os dispositivos contrários a ela, ainda abundantes;
2 - Estimular o empreendedorismo sustentável visionário, aproveitando a vasta margem de inovação em termos de processos de produção, produtos e serviços modelos de negócios;
3 - Eliminar as condições regulatórias adversas contraditórias atuais que confundem os investidores e ameaçam a competitividade empresarial (frente à concorrência nacional e internacional) nos casos de internalização de custos sociais e ambientais.
Para sintetizar, em uma equação, um possível modelo de desenvolvimento sustentável que aproveite os diferenciais do Brasil ofereço PIBe + Dt - Rt, onde PIBe é a baixa emissão de CO2e, com alto valor agregado e alta distribuição de renda por unidade de PIB gerada; Dt é a necessária Disrupção Tecnológica, baseada na integração das dimensões econômica, ambiental e social e na geração de valor nessas esferas; e Rt é o red tape, ou seja, o conjunto de incentivos à economia BAU (Business as Usual), as barreiras à inovação e a lentidão/cooptação da máquina pública, incluindo o comportamento corrompido de agentes privados.
As políticas públicas são fundamentais para o (re)direcionamento da economia. Porém, o rollout de qualquer nova estratégia ficará a cargo da iniciativa privada, sendo que seu sucesso depende de sua capacidade de adaptação ou modificação do mercado. As empresas brasileiras dão reiteradas provas de sua capacidade adaptativa. Porém, acredito mais ainda em nossa força de inovação privada, aproveitando as condições ímpares com as quais contamos para gerar, a custos mais baixos que a esmagadora maioria das nações, os produtos e serviços necessários à uma nova economia.
Creio ter chegado a hora de provar que não estamos fadados a repetir nossos passos no século 16 e ficarmos, novamente, aquém de nosso potencial, desperdiçando nossas invejáveis vantagens comparativas.
______________________
Em termos simples, as vantagens comparativas são o conjunto de condições favoráveis que, em tese, permitem que uma nação ou empresa gere produtos melhores e/ou mais baratos que os concorrentes, enquanto as vantagens competitivas são, de fato, a transformação daquelas vantagens nesse tipo de produtos, com as devidas barreiras de entrada, tornando-os de difícil apropriação.
Imaginando, por mero exercício, talvez mais moral que intelectual, como aplicar um pouco dessa construção teórica ao caso do Brasil, observo que desde o século 16 não apresentamos tantas vantagens comparativas1 na ordem econômica global. Explico-me: naquele século, não casualmente o do nosso "descobrimento", possuíamos um conjunto de ativos que era o sonho do mundo desenvolvido de então. Estes eram metais preciosos, como ouro e prata, madeira e solo agriculturável para a produção de especiarias, como, por exemplo, a cana de açúcar que levava ao cobiçado açúcar, de qualidade muito superior (em sabor e potencial energético e adoçante) ao produto europeu à base de beterraba. Um conhecido conjunto de fatores - que inclui a natureza do próprio pacto colonial, a entrada muito atrasada no processo de industrialização, um processo de independência top down e a perpetuação do processo de dependência econômica que não é novidade para os países do nosso hemisfério - impediu a transformação desse conjunto de vantagens comparativas em vantagens competitivas. Ou seja, nosso potencial de apropriação de diferenciais não se traduziu em agregação de valor e crescimento da economia local.
Por graça, ou ironia, do destino, este início de século 21 nos presenteia, uma vez mais, com as características e os ativos desejados pelo mundo. Estes, porém, são agora de outra natureza e dizem respeito, principalmente, aos insumos necessários para a geração de energia renovável, ou seja: potencial hídrico de água doce, ventos, insolação, extenso litoral para aproveitamento da energia das marés, biomassa e sociobiodiversidade, tecnologia própria (e pioneira) para a produção de biocombustíveis e bioenergia etc.
Apresentam-se, também, fatores geopolíticos favoráveis, bastante independentes de nossa vontade ou alcance, como, por exemplo, a mudança no centro de gravidade da economia mundial, em função dos custos de produção e da localização dos insumos, e o redirecionamento dos fluxos de capital em função da crise dos mercados desenvolvidos.
As questões-chave, entretanto, são, por que e como transformar esse conjunto de vantagens comparativas, por vezes apelidadas de "credenciais verdes", em vantagens competitivas? A resposta à primeira pergunta é quase meramente retórica, em função das refinadas análises que a história econômica do Brasil tem merecido. Para citar alguns elementos contundentes, destaco:
1 - A oportunidade de romper com um padrão de comércio exterior do Brasil, de base agroextrativista com baixo valor agregado, sujeito às oscilações das commodities e sempre a serviço das necessidades de crescimento e desenvolvimento alheias;
2 - A possibilidade de se tornar um dos líderes de um novo ciclo econômico global que, embora retardado pelos percalços da crise econômico-financeira iniciada em 2008, será inapelavelmente desenvolvido, em função das atuais condições globais, considerando-se a demográfico global e a mudança inevitável dos processos de produção em função dos impactos (inclusive econômicos) das mudanças climáticas;
3 - A inversão da nossa pirâmide de emissões de gases de feito estufa que, com a redução do desmatamento na região amazônica, posiciona energia, processos industriais e agricultura como os processos mais emissores da nossa economia, amplamente sujeitos a esforços de redução de emissões a partir da renovação dos compromissos e metas a serem pactuados a partir da COP20, a ser realizada em Paris (2015).
Enfim, algumas respostas à pergunta que mais interessa tanto aos práticos quanto aos céticos de plantão: como transformar essas vantagens comparativas em vantagens competitivas?
Uma das poucas vantagens de se chegar atrasado ao processo de desenvolvimento é, justamente, não repetir os erros dos que foram pioneiros. Assim, tudo começa com a vontade política de fazer diferente e adotar um novo caminho. O momento seguinte é a promoção do diálogo social sobre qual modelo de desenvolvimento queremos e podemos implementar, com uma série de pactos e arranjos que permitam:
1 - Recuperar a capacidade de gestão pública e formular políticas e marcos regulatórios de estímulo às atividades sustentáveis, revogando os dispositivos contrários a ela, ainda abundantes;
2 - Estimular o empreendedorismo sustentável visionário, aproveitando a vasta margem de inovação em termos de processos de produção, produtos e serviços modelos de negócios;
3 - Eliminar as condições regulatórias adversas contraditórias atuais que confundem os investidores e ameaçam a competitividade empresarial (frente à concorrência nacional e internacional) nos casos de internalização de custos sociais e ambientais.
Para sintetizar, em uma equação, um possível modelo de desenvolvimento sustentável que aproveite os diferenciais do Brasil ofereço PIBe + Dt - Rt, onde PIBe é a baixa emissão de CO2e, com alto valor agregado e alta distribuição de renda por unidade de PIB gerada; Dt é a necessária Disrupção Tecnológica, baseada na integração das dimensões econômica, ambiental e social e na geração de valor nessas esferas; e Rt é o red tape, ou seja, o conjunto de incentivos à economia BAU (Business as Usual), as barreiras à inovação e a lentidão/cooptação da máquina pública, incluindo o comportamento corrompido de agentes privados.
As políticas públicas são fundamentais para o (re)direcionamento da economia. Porém, o rollout de qualquer nova estratégia ficará a cargo da iniciativa privada, sendo que seu sucesso depende de sua capacidade de adaptação ou modificação do mercado. As empresas brasileiras dão reiteradas provas de sua capacidade adaptativa. Porém, acredito mais ainda em nossa força de inovação privada, aproveitando as condições ímpares com as quais contamos para gerar, a custos mais baixos que a esmagadora maioria das nações, os produtos e serviços necessários à uma nova economia.
Creio ter chegado a hora de provar que não estamos fadados a repetir nossos passos no século 16 e ficarmos, novamente, aquém de nosso potencial, desperdiçando nossas invejáveis vantagens comparativas.
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Em termos simples, as vantagens comparativas são o conjunto de condições favoráveis que, em tese, permitem que uma nação ou empresa gere produtos melhores e/ou mais baratos que os concorrentes, enquanto as vantagens competitivas são, de fato, a transformação daquelas vantagens nesse tipo de produtos, com as devidas barreiras de entrada, tornando-os de difícil apropriação.
Fonte: Planeta Sustentável
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